quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

HAVIA UM HOMEM

havia um homem
que comia grãos de pólen
tal era a sua luz interior
havia um homem que subia
bem alto e beijava o
plexo das telhas
amplexamente
havia grandes casas
com luzes acesas
e mãos disparando revólveres
ampliando o estalido das bocas
na escadaria
fazendo bramir a estrutura firme
dos prédios
a pólvora fazia estremecer
o homem das grossas mãos
dos grãos de pólen ingeridos
como se fossem ampolas
viajantes
era um homem escrevia em
cadernos cor de rosa
que julgava as letras
serem grandes incêndios
e a aurora uma coisa boreal
formigando nos dedos
uma cabeça assim voa
no redemoinho das casas
um homem que beija paredes
até que lábios e cal esmaeçam
um homem labial e isento
de qualquer nódulo
neste momento nódulo
frente a frente numa casa
acontecia a ciência de um beijo
com toda a alquímica magia
de lábios
as mãos apoiadas nos tampos
instáveis
o torso de cavalos
trotando no peito
havia um homem
havia uma mulher
comendo grãos de pólen
a uma mesa

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Zéfirofolio apresenta-se

Zéfirofolio acordara com uma sensação estranha naquele dia. No centro da cama, completamente nu, o sexo erecto dominava. Ele sabia que aquele dia não ia durar para sempre, que as horas iriam resvalar em cacho de encontro à penumbra e inevitavelmente o tesão terminaria.

Zéfirofolio enquanto isso acontecia, era um ser feliz. Olhando a aresta interior do quarto, não conseguia distinguir as ligeiras irregularidades do reboco que definiam a separação dos espaços: dentro/fora, fora/dentro, conteúdo/continente. Era para ele um dia novo, do novo ano, disso não haviam dúvidas, e se elas porventura existissem, o sexo ali estava vertical e limpo a marcar toda a certeza do momento. A estranheza que sentia devia-se em grande medida àquela posição assumida, no centro da cama, cuja precisão geométrica o assombrava. Já o sexo altivo não lhe causava qualquer estranheza.

A pouco e pouco ia mexendo os braços e observava a oscilação de mastro que assumia o mastro. Qualquer vela se sentiria confortável naquele suporte prodigioso, preparada para qualquer navegação. Zéfirofolio considerava-se ele próprio um dos primeiros navegantes, com a coluna vertebral bem assente no mar acolchoado. As suas costas sulcavam com prazer as macias águas do novo ano, que lhe entrava ainda intacto pelas narinas.


P. Ponte(1-01-2012)