domingo, 23 de outubro de 2011

(...)

domingo?
deflagram relâmpagos,
ao nível do tecto,
o cume da semana
atinge-se subindo,
subindo sempre,
até à casa do senhor.
Meia manhã de atoleiro,
o corpo entorpecido
da viagem empreendida
até à morada,
o tempo muda,
estamos expostos
à radiação:
salmo prévio,
e sardinhas ao almoço.

sábado, 22 de outubro de 2011

é-vida

Navegando por entre lixo electrónico,
e-mail e mais mensagem virtual,
emerge do fluxo residual aleatório
por vezes a fala da noite citadina
atravessando a janela do sótão
escuro, onde estou só eu sótão
e os pequenos ruídos da rua lá
em baixo onde cairei de seguida:

inanimado sem vida conhecida
sem fio de ligação à corrente.

Cadeia alimentar

Nunca tive mão audaz para a cozinha,
o poema sai-me morto e ensosso,
necessitado de tremoços,
não cumprindo a iguaria
os mínimos da montanha,
alcançam-me sempre na subida,
pelotão incluso,
e parece não haver saída,
panos sujos, azia,
demasiados molhos na poesia.

Disparam na noite os fusis,
e levanto-me bulímico,
comendo papéis, às três
menos um quarto
da madrugada.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

boletim metereológico

o céu enegrece anilado
é decretado o recolher obrigatório
para segurança dos peões,
nas varandas recolhem-se
os últimos estendais,
uivos caninos no ar,
nas repartições adensa-se
o vapor temporal,

o trânsito coagulou no poema,
algumas sílabas, inquietas,
abrigaram-se no último verso.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

esse ene esse

A barba crescida, (en)cerrada,
matizada de pequenos grãos
de gelo,
agora sais da repartição e repartes-te
entre o todo e a parte da vagabundagem
de um horário normalizado,
fazer por vezes vida de café nunca
fez (tanto) sentido,
repartes o todo pela parte,
com o carpinteiro perfeccionista,
o pai de família desfeito,
o economista despedido no centro
da crise,
a menina que come flores silvestres
de olhos enevoados
de grande criança,
entras na vida de todos
por dentro da escrita,
e agora desenhas cidades de vento
com ruas estreitas azuis,
e não te têm visto no local
de trabalho,
já lá não apareces há bastante
tempo,
e ninguém te procura.
Será possível que te tenham esquecido
na rua, entre duas esquinas?
As sirenes ecoam no poema,
mas a urgência não te pertence.
De nada serviria atafulhares
mais um pouco o serviço
nacional da solidão.

(11/10/2011)

domingo, 9 de outubro de 2011

Bruta a noite

Jangada de versos, a cama,
náufraga de dedos nodosos

espia os contornos, rostos
ou algumas sombras deus

existirá ele a esta hora da
madrugada, demónios eles

sangrando os outros, ofício
estranho de revelar os nós

nove de outono

levanto-me com o colar de vento
sobre a cama, os lençóis
prendendo os primeiros movimentos:
do dia virá, mais tarde, a previsível luz,

como um cordão atando as poucas roupas,
com que farás versos até ao meio-dia,
à tarde, desse domingo, mastigarás
folhas de ulmeiro retornando à toca

no fim do dia, quando os últimos
pássaros descerem aos abrigos
cobrirás os finos orifícios

com uma sopa quente
dois dedos de ternura
alguns fracos livros.

sábado, 8 de outubro de 2011

(...)

ágora

perto

palco

torso nu

égua

água

verbo

corpo cru

Vento e água

numa sinfonia de cordas limpas
traço a fundura da chuva,
vento e água, abrem lentos,
a ferida de todos os nomes

com os versos reduzidos
a vértebras, o corpo urge
como flor carnívora.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

TALLIS (Thomas)

dos esteios tirava a oca
sustentação do lenho

em moteto livre a boca
flutuava

ou talvez o vento lacustre
pudesse tanger a mínima
margem

da flutuação da voz
era a palavra pênsil